O neutrino, uma partícula elementar tão enigmática quanto abundante no universo, é um verdadeiro camaleão, do qual os cientistas seguem a pista há 80 anos, colhendo vários prêmios Nobel no caminho.
Enquanto milhares de bilhões de neutrinos atravessam nosso corpo a cada segundo na velocidade da luz sem que sintamos absolutamente nada, o japonês Takaaki Kajita e o canadense Arthur McDonald descobriram um dos enigmas que cercam esta estranha partícula, o que nesta terça-feira lhes valeu o Prêmio Nobel de Física.
Eles conseguiram provar experimentalmente que os neutrinos são verdadeiros camaleões capazes de se transformar e inclusive, às vezes, voltar a seu estado inicial.
"É mais ou menos como se você tivesse uma maçã numa mão e de repente se transforma numa maçã", disse à AFP Alfons Weber, especialista em neutrinos da universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
Emitidos pelas estrelas e a atmosfera, os neutrinos também podem ser criados pela radioatividade beta, como a que é gerada pelas centrais nucleares.
Atualmente, três espécies ou "salvadores" de neutrinos (ou antipartículas) foram identificados. O neutrino do elétron, associado como diz seu nome, a um elétron, neutrino do múon, associado a um múon (elétron pesado) e o neutrino do tau, associado à partícula tau (elétron ainda mais pesado).
"Estes neutrinos têm a propriedade de transformar-se de maneira periódica ("oscilação") e de passar de uma espécie a outra quando se deslocam", explica à AFP Daniel Vignaud, pesquisador emérito do laboratório de AstroPartículas e Cosmologia da universidade de Paris 7. "Mas este fenômeno só é possível se contam com massa", alerta.
"Esta descoberta da oscilação dos neutrinos e de que têm massa resolve um dos mais antigos problemas da física: o fato de que o sol não produz tantos neutrinos como deveria. Atualmente, sabemos que eles de transformam", ressalta Roy Sambles, presidente do IOP (Institut of Physics) britânico em comunicado.
Estes resultados são ricos em consequências para os pesquisadores já que abalam o "Modelo Padrão" da física de partículas, que não dotava o neutrino de massa.
Este é um modelo teórico muito preciso, que descreve os componentes da matéria e as forças que atuam sobre ela. "Hoje em dia, precisamos adaptá-lo" a este novo dado, insiste Vignaud.
- Uma grande pesquisa -
"É talvez uma porta aberta para uma explicação do desaparecimento da anti-matéria no universo após o Big Bang. Mas como é uma ideia teórica, uma especulação que requer confirmação experimental. E isso vai levar muito, muito tempo", declarou à AFP Jacques Dumarchez, investigador do CNRS (Centro Nacional de Investigação Científica) francês.
Em revanche, "não existem aplicações concretas" a esperar desta longa pesquisa, reconhece.
"Nestas últimas décadas, a pesquisa sobre o neutrino tem sido uma verdadeira pesquisa policial, de um extremo a outro, e ainda não terminou", contou.
No começo de tudo, o austríaco Wolfgang Pauli, o pai do neutrino nos anos 1930, "postulou a existência" destas partículas. Ele imaginava uma partícula de carga neutra, difícil de detectar, posto que estaria desprovida de carga elétrica.
Mas em 1956, os norte-americanos Frederick Reines e Clyde Cowan detectaram realmente pela primeira vez os neutrinos. Reines recebeu o Prêmio Nobel de Física de 1995 pela descoberta do neutrino, junto a seu compatriota Martin Lewis Perl, que descobriu o neutrino do tau.
Depois, os norte-americanos Leon Lederman, Melvin Schwartz e Jack Steinberger encontraram uma nova espécie, o neutrino do múon, pelo qual receberam o mesmo prêmio em 1988.
Perl descobriu o neutrino do tau nos anos 1990.
Nos anos 2000, os cientistas descobrem que certos neutrinos mudam de natureza durante sua viagem. Novo prêmio Nobel em 2002, desta vez para o norte-americano Raymond Davis e o japonês Masatoshi Koshib.
O também japonês Takaaki Kajita e o canadense Arthur McDonald completam este quebra-cabeças com seus experimentos em 1998 e 1999, permitindo deduzir que os neutrinos têm massa.
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